Day Trading, o compêndio da sardinhice
- Renda variável
- 21 JUN 2021
- investo!
TL;DR: Day Trading é o compêndio da sardinhice. Parafraseando o que escrevemos no artigo sobre FOREX, não perca tempo pesquisando, estudando ou aprendendo. Para o investidor, o foco deve ser trabalhar de forma a conseguir aumentar o volume de aportes consistentemente, visando o longo prazo.
Em tempos de 'bull market', quando os índices das bolsas mundiais têm forte crescimento, observa-se um número expressivo de investidores ingressando no mercado de valores mobiliários, sobretudo motivados pela grande cobertura midiática acerca do assunto. Com a queda abrupta motivada pela pandemia recente, seguida de sua rápida recuperação, o total de pessoas físicas ativas operando na bolsa nacional aumentou 95% em relação ao final de 2018. Sem dúvida um indicador promissor para um mercado que ainda é constituído por menos de 2% da população.
Surfando nessa onda de popularidade, no entanto, operações em renda variável mais complexas, como 'day trading' despertam enorme fascínio nos iniciantes (e nem tão iniciantes assim) pela suposta possibilidade de acertar uma grande tacada de uma única vez ou, ao menos, multiplicar consideravelmente o capital em um curto período de tempo. Provavelmente, o leitor já deve ter se deparado com 'posts' em redes sociais de familiares, amigos ou colegas de trabalho exibindo suas boletas de negociação e se vangloriando de terem obtido enorme êxito em operações de 'day' ou 'scalping' (essencialmente um 'trade' de poucos minutos ou até segundos) 'trading'.
Comumente, esse sobre-estímulo causa o chamado 'medo de ficar de fora' (do inglês FOMO, 'fear of missing out') no investidor com menos traquejo. Afinal, quem gostaria de perder a oportunidade de obter grandes retornos apenas entendendo a dinâmica do mercado? Assim, o interesse por 'trading' cresce em efeito cascata. 'Day trade', no mercado financeiro, engloba todas as operações de compra e venda de títulos no prazo máximo de um dia, ou dentro do mesmo pregão. Quem realiza esse tipo de transação é chamado de 'day trader' ou simplesmente 'trader' (muito diferente da função de 'trader' em instituições financeiras, mas deixemos isso para um texto futuro). De forma análoga, o ato de fazer 'day trade' recebe o nome de 'day trading'.
Em relação à terminologia, temos alguns conceitos:
- Stop loss ('interrompa o prejuízo'): estratégia que limita o prejuízo máximo, caso o preço de um ativo caia até certo ponto. Com ele, o investidor define um valor específico que, caso seja atingido, os títulos serão vendidos automaticamente, impedindo maiores perdas.
- Stop gain ('interrompa os ganhos'): método que automatiza a venda dos ativos caso atinjam certo valor. Assim, todo o processo de compra e venda pode ser automatizado e executado sem a interação do operador.
- Alavancagem: procedimento que permite que uma operação seja realizada sem que o investidor tenha todo o capital para a aquisição dos títulos ou contratos, bastando para isso que tenha uma margem de garantia. Operações alavancadas têm como retorno ou prejuízo apenas a diferença entre o preço de compra e o venda, e não o valor total.
- Margem de garantia: valor em espécie ou em ativos em custódia na instituição financeira que permite a negociação alavancada. Dessa forma, um investidor pode operar um montante até dezena de vezes maior que seu saldo corrente.
Superada as etapas de definições dos conceitos, chegamos ao objeto do artigo: vale a pena se aprofundar nas técnicas de 'day trading'? Ou ainda: é possível largar um emprego tradicional e viver unicamente de 'day trading'? Considerando a enorme quantidade de artigos, livros e cursos sendo vendidos sobre o assunto, a tendência é acreditar que sim. Contudo, uma mera reflexão coloca em xeque a eficácia desse mecanismo. Abaixo, dados de desempenho compilados pelo site tradeceity.com, incluindo o resultado de traders profissionais:
Apesar das inúmeras ferramentas de análise, leitura de fita e projeções disponíveis para o operador, apenas 1% dos traders conseguem auferir lucros de forma consistente. Nesse ponto, o leitor negacionista pode estar afirmando "mas o mercado americano é muito complexo, a realidade brasileira é outra!" No que diz respeito às operações de trade na B3, temos:
Outro grande efeito deletério em sucessivas operações de trade é que o capital utilizado fica sujeito a frequentes fricções de mercado, o que tem grande impacto negativo na construção de patrimônio a longo prazo. Além disso, o tempo necessário para o acompanhamento e o estresse associado ao trade podem causar redução da qualidade de vida e prejudicar o foco no principal: o aumento consistentes dos aportes por via do trabalho, a verdadeira fonte de renda do investidor. Caso os dados estatísticos não sejam suficientes para ilustrar a questão, sugerimos a leitura do paper Trading Is Hazardous to Your Wealth publicado pela Universidade de Berkeley, que se aprofunda em maiores detalhes sobre a dinâmica do trade e seu impacto na saúde dos operadores.
Por fim, para quem se inspira em posts de sucesso de conhecidos em redes sociais, contando vantagem sobre o total domínio do mercado, timing de entrada e saída da posições e afins, deixemos o leitor com um tipo raro de publicação, mas que, infelizmente, acontece muito mais que o divulgado normalmente: Prejuízo, depressão e morte no day trade: quando tudo sai de controle.